Por Thiago Ermano Jorge *

Vivemos uma era de transformações aceleradas, marcada por desafios que exigem respostas rápidas, sustentáveis e fundamentadas em ciência. Em um cenário de crises ambientais, sanitárias, produtivas e sociais, a simples geração de conhecimento, embora essencial, já não é suficiente. É necessário transformar descobertas em soluções aplicáveis, escaláveis e com impacto real na vida das pessoas e na saúde do planeta.

Enquanto a ciência nos revela o que é possível, o empreendedorismo mostra como isso pode se tornar viável e acessível. Acreditamos que a colaboração entre pesquisadores e empreendedores é, portanto, mais do que uma tendência de inovação aberta, é uma necessidade civilizatória.

Contudo, integrar esses dois universos não é trivial. Os cientistas são formados com foco na neutralidade, na busca pela verdade e no compromisso com o método. Já os empreendedores são movidos por metas, prazos, retorno sobre investimento e adaptação ao mercado. Essas visões e diferenças culturais tornam o caminho da cooperação complexo, e transformar cientistas em empreendedores, muitas vezes, não é o objetivo ideal nem o mais produtivo. Quando acontece (raridade), projeta atuar por meio de um ecossistema integrado.

O que precisamos é criar pontes estruturadas, ambientes de confiança e plataformas de apoio que favoreçam a aproximação, o respeito mútuo e a construção conjunta de valor. E é exatamente esse o papel contemporâneo do Centro de Tecnologia e Inovação da Cannabis (CTICANN).

O CTICANN nasceu para atuar no ponto de encontro entre ciência, tecnologia e mercado. É uma instituição que integra conhecimento técnico-científico e inteligência de mercado, conectando pesquisadores, startups, investidores, universidades e atores públicos e privados para transformar conhecimento em tecnologias de vida, com base em uma agenda de bioeconomia, saúde, agricultura regenerativa e inovação ambiental.

Todos os seres humanos e todos os vertebrados do planeta possuem um Sistema Endocanabinoide (SEC), uma rede biológica essencial para manter o equilíbrio do organismo (homeostase). Ao mesmo tempo, enfrentamos crises climáticas sem precedentes, que desafiam nossa permanência sustentável no planeta.

Precisamos recuperar o que nossos ancestrais sabiam desde a Idade da Pedra: a Cannabis sativa é uma aliada da saúde, da fertilidade da terra e da vida em equilíbrio. Após séculos de proibições e violência em nome deste maravilhoso cultivar, hoje a ciência moderna tem a chance de validar e aplicar esse legado em escala global.

Essa visão orienta a atuação da rede formada por universidades, laboratórios públicos e privados, centros de educação agrícolas ligados ao CTICANN, no campo da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial (Cannabis sativa L.). Acreditamos que essa planta, milenar e versátil, orienta à necessidade de uma plataforma biotecnológica promissora, com potencial para:

  • Desenvolver medicamentos e terapias inovadoras para humanos e animais;
  • Produzir fibras naturais, extratos e biomateriais;
  • Regenerar solos, sequestrar carbono e viabilizar bioinsumos agrícolas;
  • Criar cadeias produtivas sustentáveis e de baixo impacto ambiental; e
  • Integrar nutrição humana e alimentação animal de forma funcional e segura.

A atuação do CTICANN está em conformidade com o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016), que estimula ambientes promotores de inovação e a cooperação entre ICTs e setor produtivo. Fomentamos pesquisa com foco em inovação aplicada, sem abrir mão do rigor científico. Ao mesmo tempo, cultivamos uma Cultura Empreendedora colaborativa, que conecta pesquisadores a ambientes propícios à validação de ideias, prototipagem, estruturação de negócios, registro de propriedade intelectual e entrada no mercado.

Esse trabalho se traduz na formação de um ecossistema integrado, que busca responder às grandes questões contemporâneas com soluções baseadas em ciência e propósito — algo essencial em tempos de incertezas e oportunidades convergentes.

No Brasil, por exemplo, o ecossistema de startups de base tecnológica, conhecidas como Deep Techs, já conta com cerca de 875 empresas mapeadas pela Emerge Brasil em 2024, das quais aproximadamente 42% são biotecnológicas – englobando áreas como saúde humana e animal, agronegócio e meio ambiente. Dessas, cerca de 50% focam em agro e saúde, evidenciando o alinhamento com o potencial da Cannabis sativa spp. como plataforma tecnológica nos setores de saúde, bioeconomia e agricultura regenerativa.

Apesar desse crescimento, cerca de 70% das deep techs ainda estão em fase de validação tecnológica, com apenas 30% avançando para estágio de comercialização e escalonamento, um reflexo dos desafios de financiamento e maturidade de mercado no Brasil.

Esses dados ilustram a importância de instituições ICTs (públicos e privados) que facilitem a transição de P&D para aplicação prática, sem comprometer o rigor científico nem a viabilidade técnica e financeira. Missão complexa, porém, possível com medotodologias atualizadas, transparência nas relações e equipe qualificada.

A pesquisa nos mostra o que é possível. O empreendedorismo nos mostra como é viável. E a colaboração entre ambos é o que torna real a inovação transformadora. O CTICANN está onde essas visões se encontram, transformando conhecimento em tecnologias de vida.

* Thiago Ermano Jorge é Pesquisador Interdisciplinar, diretor-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis e Cânhamo (ABICANN) e diretor do Centro de Tecnologia e Inovação da Cannabis (CTICANN). Atua na integração entre políticas públicas, ciências, tecnologias e bioeconomia, com foco em Cannabis Medicinal e Cânhamo Industrial.