Por Thiago Ermano Jorge * 

Do Pau-Brasil ao Cânhamo, a trajetória econômica brasileira revela ciclos recorrentes de inovação tecnológica seguidos de dependência externa. Desde o século XVI, nossa riqueza natural foi exportada sem beneficiamento interno, gerando valor para outros e fragilidade para nós. 

Este artigo mapeia quatro ciclos históricos para extrair lições que sustentem o ciclo de quinta geração, centrado na bioeconomia da Cannabis sativa spp.. Estamos dispostos a liderar essa transformação ou continuaremos reféns de velhas dependências?

Ciclo I: Pau‑Brasil (séculos XVI–XVII)

A extração do Pau-Brasil serviu apenas para tingir tecidos na Europa, sem nenhuma indústria local de beneficiamento. O capitão‑donatário raspava a superfície da Mata Atlântica e enviava toras ao Velho Mundo, concentrando riqueza fora do território brasileiro. Lição: sem industrialização, dependemos de quem compra nossa matéria‑prima.

Ciclo II: Açúcar (séculos XVII–XVIII)

Com o surgimento dos engenhos, inovamos na escala produtiva, mas agravamos desigualdades sociais. A moenda exigia escravos e mão de obra especializada, enquanto epidemias tropicais atacavam populações locais. Novamente, exportamos valor tecnológico e importamos miséria.

Ciclo III: Café (séculos XIX–XX)

A implantação de ferrovias, bolsas de mercadorias e crédito rural fez do café o «ouro verde» nacional. São Paulo virou celeiro mundial, mas precios voláteis e monocultura deixaram solos exauridos e produtores vulneráveis a choques externos. Lição: infraestrutura e financiamento não bastam sem diversificação e inclusão.

Ciclo IV: Minérios e Biotecnologia (século XX–XXI)

A exploração do pré‑sal e a expansão de soja e milho transgênicos fortaleceram o agronegócio, mas desconectaram o saber‑fazer dos pequenos produtores. A inovação avançou, mas deixou lacunas de acesso e equidade.

O Novo Ciclo: Cânhamo Industrial (futuro é agora)

A variedade não‑psicoativa da Cannabis sativa — o Cânhamo Industrial — traz fibra para bioplásticos, biomassa para construção e grãos proteicos. Projeções indicam mercado global de US$ 116,8 bi até 2030, dos quais o Brasil pode captar US$ 18 bi anuais, se superar o estigma remanescente.

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o agronegócio brasileiro exportou US$ 37,3 bi em soja e US$ 42,2 bi em minério de ferro em 2023, ilustrando a importância de agregar valor local também ao Cânhamo.

Acreditamos que os pilares do sucesso para o Brasil estejam em:

  1. Beneficiamento interno: construir fábricas e linhas de produção para fibras e extratos;
  2. Diversificação de produtos: de fármacos a materiais de construção; e
  3. Arranjos institucionais: consórcios com ANVISA, MAPA e universidades para políticas estáveis.

Pesquisadores, empresários e formuladores de políticas, unam-se ao CTICANN e à ABICANN para transformar o Cânhamo em ciclo de quinta geração. A hora de articular ciência, indústria e política é agora, para criar milhares de empregos qualificados, gerar inovação e agregar valor aos produtos “made in Brazil”.

* Thiago Ermano Jorge – Diretor-Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis e Cânhamo (ABICANN) e Pesquisador Interdisciplinar do Centro de Tecnologia e Inovação da Cannabis (CTICANN) – https://cticann.org