Por Thiago Ermano Jorge *
A ascensão da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial no mundo científico, regulatório e econômico é incontestável. Relatórios recentes publicados pelo CTICANN – Centro de Tecnologia e Inovação da Cannabis – indicam mais de 21.000 publicações científicas e técnicas relevantes sobre Cannabis sativa spp. nas maiores bases de dados internacionais, como PubMed, Scopus e Web of Science, além de pesquisar empresas inovadoras em 110 países do mundo.
Esses números mostram a força quantitativa da produção acadêmica, mas também revelam uma lacuna qualitativa essencial: a quase ausência de abordagens que valorizem a subjetividade humana no uso e nas aplicações da planta.
Subjetividade, aqui, não é sinônimo de “achismo” ou “opinião pessoal”. Ela diz respeito às experiências vividas, às emoções, aos saberes ancestrais, à relação simbólica com a planta e aos contextos socioculturais que moldam o modo como cada indivíduo — seja paciente, agricultor, terapeuta ou pesquisador — percebe, utiliza e se beneficia da Cannabis. Ignorar isso é reduzir a ciência a uma lógica fria e fragmentada, desconectada da complexidade da vida real contemporânea.
Durante décadas, a ciência biomédica priorizou dados quantitativos, escalas clínicas padronizadas e métricas laboratoriais objetivas. Isso foi fundamental para o avanço da medicina moderna. No entanto, no campo da Cannabis, essa abordagem se mostra limitada e necessita ajustes.
Pacientes com dor crônica, epilepsia, ansiedade ou doenças degenerativas frequentemente relatam melhorias que não aparecem nas métricas tradicionais: melhor sono, mais vitalidade, maior conexão com a família, autonomia emocional. Esses efeitos não são “colaterais positivos”, pelo contrário, são centrais na experiência terapêutica.
Comunidades indígenas, quilombolas, agricultores agroecológicos e familiares, e terapeutas populares vêm utilizando a Cannabis com finalidades medicinais, espirituais, sociais e materiais muito antes da validação científica contemporânea. Ao desconsiderar essas narrativas, nos pesquisadores corremos o risco de colonizar o conhecimento, invalidando práticas que podem, justamente, enriquecer o campo da pesquisa e da inovação. A produção científica global reflete essa distorção.
Pesquisadores do CTICANN identificaram que entre mais de 38 mil publicações indexadas na PubMed com a palavra-chave “Cannabis”, menos de 3% tratam de aspectos subjetivos, psicossociais ou simbólicos. A maioria absoluta se concentra em análises farmacológicas, testes clínicos ou descrições químicas. Esses estudos são cruciais, mas insuficientes.
Entendemos que incluir dimensões subjetivas em projetos e pesquisas com Cannabis significa adotar métodos que dialoguem com a realidade vivida: escuta ativa, entrevistas em profundidade, diários terapêuticos, mapas narrativos de dor, metodologias participativas. Significa, também, criar ambientes de pesquisa mais sensíveis, que valorizem o cuidado, o acolhimento e a diversidade de experiências humanas.
Isso é ciência com profundidade, ciência a serviço da sociedade global e comprometidade com o meio ambiente.
No CTICANN, defendemos a ciência que une rigor e empatia, evidência e escuta, técnica e cultura. Para ouvir aos parceiros e comunidades, criamos nosso Modelo de Integridade Evolutiva 7D, que incorpora a subjetividade como um dos pilares estratégicos de avaliação de impacto real.
Ao lado da racionalidade científica, da ética, da legalidade e da visão global, está o reconhecimento do ser humano como sujeito complexo, emocional e situado, não apenas como objeto de estudo.
A subjetividade importa. E quando bem conduzida, é um motor de excelência científica e de impacto real. Porque no fim, mais do que desenvolver produtos, queremos desenvolver soluções que toquem a vida. Sempre com verdade, com propósito e com sentido.
A próxima fronteira da ciência da Cannabis não será conquistada apenas em grandes laboratórios, mas também na escuta atenta de quem vive, sente e transforma o mundo com essa planta extraordinária. Um abraço a todas e todos que dedicam suas vidas para integrar a humanidade à natureza.
* Thiago Ermano Jorge – Diretor-Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis e Cânhamo (ABICANN) e Pesquisador Interdisciplinar do Centro de Tecnologia e Inovação da Cannabis (CTICANN) – https://cticann.org
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